Entrevista a Joana: Como é a vida em morar e trabalhar numa autocaravana

O autocaravanismo não vem de criança. De criança talvez venha o meu desejo de estar próxima da Natureza e de ir a diferentes lugares no mundo. Lembro de perguntar uma vez a uma amiga da minha mãe, eu devia ter uns 4 anos: “Tu nasceste aqui?” “Sim.” “E viveste aqui sempre?” “Sim.” “Nunca foste a outros sítios?” "Não.” – para a cabeça de uma criança de 4 anos, aquela pequena conversa fez-me muita confusão.

Embora já existisse uma autocaravana na família do meu marido, que nós utilizávamos nas férias, viver numa autocaravana foi uma solução que queríamos como temporária. Era 2020 (aquele ano!), vendemos o nosso negócio e queríamos recomeçar a nossa vida. Com esse objetivo em mente, vimos no autocaravanismo um meio de alcançar aquilo a que nos propúnhamos. Na aventura de mudar de país, a mais de 1700 km de casa, ainda sem trabalho e sem nada, literalmente (sem mobílias ou objectos pessoais, apenas o essencial do essencial), fazer da autocaravana a nossa casa iria permitir-nos ter o essencial (quando se está a recomeçar): um teto, uma cama, uma casa-de-banho e uma cozinha. Foi uma necessidade de mudança nossa, que muitos dos nossos amigos e família viram como ou uma loucura ou uma grande dose de coragem. Para nós foi simplesmente a conjugação de um desejo interior com um motivo forte e, o facto de a autocaravana já existir, facilitou os próximos passos em direção ao objetivo que tínhamos desenhado para nós naquele momento.

Talvez possamos começar por definir o que é uma "casa". De acordo com o dicionário pode ser um lugar - a que chamamos de casa -, mas também pode ser um espaço onde vivemos (comemos, dormimos, socializamos, fazemos a nossa higiene...). E existem diferentes tipos de casa, os pássaros têm um ninho, a tartaruga tem uma carapaça, nós humanos temos a ideia de que casa é algo fixo, mas a autocaravana pode ser uma casa também - com a pequena diferença de que se move de um lado para o outro, como uma mobil home.

Por isso, respondendo à pergunta, sim, eu já vivi em casas antes, por isso o termo de comparação existe 😀 Em certa medida é igual: eu tenho uma rotina, eu tenho as mesmas divisões que numa casa (cozinha, quarto, sala, WC, armários) e os mesmos equipamentos que uma casa tem (frigorífico, fogão, aquecedor, esquentador...). A diferença é que as divisões da casa numa autocaravana estão super próximas dentro de cerca de 6 m2 (no meu caso), como uma casa japonesa em modo open space. Outra diferença é que não podemos ter connosco exatamente o que teríamos se estivéssemos numa casa, por uma questão de espaço e de peso devido à tara do veículo - o que é super positivo para o ambiente e para a carteira, acaba por ser um bom exercício de essencialismo.

Outra diferença é a organização. Na minha perspetiva arrumado não é organizado – sobretudo quando o espaço é pequeno é muito importante que cada coisa tenha o seu lugar, e que volte a esse lugar depois de usada, pois pode ser preciso circular com a autocaravana e funciona um pouco como num avião: não podem haver objetos à solta. Até costumamos brincar com um pouco isso, quando para iniciar viagem perguntamos sempre “Está tudo pronto para levantar voo?

Uma outra diferença é a limpeza – por muito que veja a limpeza como terapia, porque me ajuda a arrumar também as ideias, - a verdade é que a vida pode ser mais do que passar os dias de folga e de férias a limpar, a arrumar e a passar a ferro. A nossa casa é limpa todos os dias, e ao fim de semana só temos que lavar a roupa e trocar os lençóis da cama. Pensa quão proveitoso pode ser um fim de semana!

Na minha modesta casa há uma sala de estar, uma sala de jantar, um escritório e um ginásio. A organização de cada uma das atividades dessas divisões acontece primeiro dentro de mim e só depois no espaço físico. Ou seja, se eu vou fazer exercício, o espaço é organizado de uma forma. Se é hora de trabalhar, o espaço é organizado de outra forma. No livro “Hábitos Atómicos”, de James Clear, o autor sugere que um facilitador de criação de um novo hábito pode ser atribuir a cada espaço a sua tarefa ou se isso não for possível, atribuir, por exemplo, um sofá ao momento de leitura, e ao sentarmo-nos naquele sofá saberemos que chegou o momento para ler um pouco.

No meu caso, aplico este método de forma parecida: para trabalhar sento-me num determinado lugar, para as refeições sento-me noutro lugar, se o trabalho termina arrumo tudo e coloco num outro banco. Isto permite-me, ainda que mentalmente, separar os espaços, os ambientes, os momentos estar presente naquele momento específico sem pensar que estou a almoçar no meu escritório. Na realidade, estou a trabalhar no meu escritório e a almoçar na minha sala de jantar.

Eu prefiro trabalhar na autocaravana – é a minha casa, é o meu templo. O problema de trabalhar em casa é que, por vezes, quem partilha o espaço connosco não compreende que estamos efetivamente a trabalhar – apesar de estarmos em casa. Na autocaravana tenho silêncio, muita luz natural, tenho o espaço ergonomicamente preparado para mim. Além disso, quando estou em casa a trabalhar, por vezes isso acontece quando vou visitar a família, fico de facto em casa muitas horas fechada - se pensarmos que um dia de trabalho normal são 8h - no final do dia sinto uma certa claustrofobia. Na autocaravana não tenho essa sensação: a Natureza entra para dentro, ouço os pássaros, sinto mais a chuva, o vento, observo mais a natureza lá fora nos momentos em que procuro as palavras certas para um determinado email ou procuro resolver uma determinada situação da melhor forma possível e sinto-me mais essa conexão com a rua. Então, não diria que é igual, é melhor.

Sim, de facto ter acesso à internet é crucial – sem isso não há trabalho à distância, é um facto. Depois, também é necessário garantir a qualidade da internet: um bom operador, claro, e uma boa antena 4G ou 5G exterior, que seja capaz de captar um melhor sinal de rede independentemente do lugar onde estivermos.

Para além da internet a eletricidade: se é um facto que um computador pode não consumir assim tanta energia, é igualmente um facto que numa autocaravana a prática é diferente da teoria. Ou seja, se o veículo estiver ligado a 220V ok, não há grandes preocupações porque o fornecimento de energia é constante. Mas se esse não for o caso e se estivermos com maior frequência fora de parques de campismo ou área de serviço para autocaravanas que fornecem serviço de eletricidade, é preciso equipar o veículo para que sejamos o mais autónomos possível. É igualmente importante que os equipamentos escolhidos estejam de acordo com a utilização que iremos fazer de energia no veículo. Ou seja, se vou vou trabalhar, preciso garantir que o computador pode trabalhar 8h sem que eu fique sem energia na bateria de célula para ligar luzes ou a bomba de água e, por isso, será importante pensar em algo como painéis solares, baterias de lítio, conversor, carregador dc-dc, para nomear o básico, com características que se adequam às nossas necessidades pessoais.

Eu diria que é importante experimentar antes de embarcar definitivamente neste modo de vida. Como em tudo na vida, não há duas pessoas iguais e, por isso, o que para mim serve, para outra pessoa poderá não servir. Por isso, eu diria que o autoconhecimento é fundamental – eu sei que sou uma pessoa introvertida, que preservo o tempo comigo mesma, que estar maioritariamente em ambientes próximos da Natureza e relativamente silenciosos é o que me dá energia e me reconecta a mim mesma, apesar de quão stressante o trabalho possa ser em determinados dias, por isso, viver e trabalhar numa autocaravana serve os meus valores e a minha essência.

Já fui dessas pessoas. Mas não aconselho.😀 É muito cansativo depois de um dia de trabalho pensar “Onde vamos dormir hoje?”, arrumar tudo - tal como num avião, conduzir, voltar a preparar tudo para o dia seguinte para depois voltar a sair de novo no dia seguinte. Porque este estilo de vida nómada - no sentido em que não estamos numa casa fixa, presa ao chão, apesar de ser apelativo, tem regras: de pernoita e de segurança. É importante perceber que nem todos os parques de estacionamento permitem a pernoita de autocaravana ou veículos similares como vans ou furgões e que, por exemplo, a imagem idílica da van life de acordar em cima da arriba com vista para o mar funciona nas redes sociais. Na vida real, escolher um sítio errado para dormir pode sair caro, desde multas, roubo ou até vandalismo.

Hoje em dia escolhemos ficar durante a semana num mesmo sítio, facilita a logística do dia-a-dia, não só pela rotina mas também pelos serviços de despejo de água e reabastecimento de água, e preferimos sair no fim de semana. Afinal de contas, falamos de um veículo, movido a um líquido de seu nome "gasóleo", que não vai para barato.

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